Canabidiol recebe investimento para estudo contra doenças
Universidades ganham aporte milionário para testar o canabidiol contra doenças. Investimento de 15 milhões de reais estimula a pesquisa do uso do composto da maconha para seis doenças
Seis importantes estudos clínicos brasileiros acabam de receber o investimento de 15 milhões de reais para testar o canabidiol em diferentes doenças. O aporte, um dos maiores já vistos nos estudos com o composto da maconha, veio da farmacêutica nacional Greencare e foi destinado a três instituições públicas de pesquisas do Sudeste e Nordeste — Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),
Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Metade dos trabalhos já está em andamento. O mais avançado, coordenado pela Unifesp, se configura como o primeiro no mundo a pesquisar o uso da substância no tratamento da endometriose.
Duas outras pesquisas clínicas, uma da USP para sintomas não motores da doença de Parkinson, outra da UFPB para tratar a ansiedade, foram liberadas recentemente pelos comitês de ética das instituições. As demais serão anunciadas em 2022.
“As pesquisas ratificam que o canabidiol não pode ser considerado como algo ilícito. Os estudos sérios e em centros de referência são para mostrar, tanto para a comunidade médica, como para a sociedade civil, que a substância é, sim, uma medicação lícita e efetiva“, destaca o presidente da Sociedade Brasileira de Endometriose e coordenador do estudo pioneiro, Eduardo Schor.
Pesquisa inédita no mundo
Causada por uma lesão decorrente do acúmulo de células do endométrio em outras partes do corpo, a endometriose é uma doença que afeta cerca de 10% das mulheres brasileiras, especialmente entre 25 e 35 anos, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Eduardo Schor explica que o principal tratamento para o controle da dor nesses casos é o bloqueio, por meio de hormônios, do funcionamento do ovário. Só que nem sempre a terapia consegue eliminar o problema de forma efetiva.
— Os médicos acabem administrando outras medicações não hormonais, como analgésicos e antiinflamatórios. E aí que entra o canabidiol, como um complemento do tratamento tradicional da doença para tentar eliminar a dor e restabelecer a qualidade de vida dessas mulheres — explica Schor.
Ele destaca que, para outras doenças que têm um mecanismo de dor parecido com o da endometriose, como fibromialgia e artrite reumatóide, o canabidiol já se mostrou eficaz em aliviar esses sintomas. Por isso, as expectativas são altas.
No momento, o trabalho está em fase de recrutamento de voluntárias. Serão 30 mulheres, que já estão em tratamento de endometriose. Metade receberá o medicamento e às demais será administrado um placebo.
Durante cerca de três meses, as participantes serão acompanhadas e os grupos serão comparados para entender se de fato o canabidiol ajuda a aliviar a dor. Entre as outras doenças estudadas pelas universidades está o Transtorno de Ansiedade Pós-Traumático, Parkinson, ansiedade e depressão.
Estudos já comprovam
Os medicamentos à base de canabidiol estão cada vez mais presentes em estudos clínicos que buscam descobrir novas maneiras de aliviar dores crônicas. Em São Paulo, o Núcleo de Insuficiência Cardíaca e Dispositivos Mecânicos para Insuficiência Cardíaca do Instituto do Coração coordena atualmente a primeira pesquisa do Brasil para saber se a substância pode ser usada no tratamento de pacientes com sintomas persistentes de Covid-19.
Com duração prevista de três meses, a pesquisa contará com 290 voluntários que, mesmo após a infecção, apresentam fadiga muscular, insônia, ansiedade, depressão, entre outros sintomas da doença.
Um outro trabalho brasileiro que se mostrou promissor teve os resultados de sua fase pré-clínica publicada na revista científica Neuropharmacology na última semana. A pesquisa mostrou que o canabidiol consegue não apenas reduzir dores crônicas, mas também atuar em comorbidades associadas a ela, como a ansiedade.
Uso da maconha cresce
Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas 2021, cerca de 200 milhões de pessoas consomem a cannabis no mundo, número que aumentou em cerca de 18% nos últimos dez anos. Já no Brasil, de acordo com o último Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), aproximadamente 7,7% dos brasileiros de 12 a 65 anos já usaram a substância ao menos uma vez na vida.
A maconha também é a droga mais estudada para fins medicinais. A planta Cannabis sativa possui diversos compostos, sendo os mais conhecidos, além do canabidiol, o THC. Ambos interagem com receptores presentes no organismo.
O canabidiol é encontrado em pequeno volume no caule e na folha da Cannabis. Ele não causa dependência nem altera o raciocínio. Não é psicoativo nem tóxico.
Segundo o relatório “Cannabis para fins medicinais”, da empresa de inteligência de mercado em cannabis Kaya Mind, esse mercado movimentou, de janeiro a junho de 2021, R$ 21,8 milhões. De acordo com projeções, o documento aponta que mais de 34 mil pessoas estão autorizadas pela Anvisa a importar remédios à base da planta Cannabis sativa.
No entanto, apesar de a importação dos medicamentos ser permitida, o cultivo da planta, ainda que para fins medicinais, é proibido no Brasil. O Projeto de Lei 399/15, que tramita atualmente na Câmara dos Deputados e teve parecer favorável da comissão especial, busca legalizar o cultivo da planta exclusivamente para fins medicinais, veterinários, científicos e industriais.
Fonte: Globo Saúde/Medicina