21 de novembro de 2024

A ÚLTIMA ONDA: POR DÁRIO CABRAL NETO

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Praia da Vila, Imbituba. Foto: Tânia Candemil.

Escritor e Colunista do Portal Ahora, de Imbituba, brinda o Surfemais em seu mês de aniversário com uma relíquia exclusiva de contos da sua história

Após diversas postagens publicadas no Portal Ahora, com histórias e contos de cada recanto de sua cidade natal, Imbituba, o escritor e colunista, Dário Cabral Neto, brinda o blog Surfemais com uma intrigante e ‘rápida’ passagem sua pelo ‘Esporte dos Deuses’, na praia da Vila, em Imbituba. 

No mês em que o Surfemais comemora 10 anos de existência, Darinho nos revela como foi sua aventura com uma prancha ‘esquisita‘, a ‘Medonha‘. Além dela, ele conta o privilégio que teve de surfar com uma prancha do Bento Catão, marco da história do surf imbitubense na década de 70, e com a ‘Havaiana’, que outro ícone do surf local, Clever Fernandes deslizava sobre as ondas imbitubenses. 

‘A Última Onda

Junho de 1978, uma semana antes de apresentar-me à Marinha do Brasil, entra uma frente fria forte, era seis da manhã, abro a janela do mezanino, olho o mar, e largo aquele sorriso. Onda grande, séries de três ondas, com intervalo de cinco minutos, quatro a cinco metros, bom mesmo. 

Desço agoniado, olho a mesa que deixei preparada para o café, mas não dou bola, coloco uma camiseta, o calção e pego a medonha, uma prancha velha, esquisita, ‘cheipe’ inovador tipo hélice da sua metade para a proa, a borda era invertida, do meio para a rabeta era normal, monoquilha grande, uma foice, não podia colocar cordinha, com risco de perder a perna. Creia, tudo isto é verdade. 

Os cinqüenta metros que separam o mar e o rancho foi um recordar das ondas que peguei com pranchas boas, fischer triquilha, com canaleta e rabeta dobrada, fui o segundo a surfar com ela, seu dono, Bento Catão. Fazia um barulho todo especial ao descer uma onda mais vertical. A havaiana, que o Clever tinha, a dividíamos. E o Coca, que hoje trabalha na prefeitura de Imbituba, tinha uma que era um protótipo do standup, pois era larga, pesada e com seus dois metros e meio comprimento, dava para ficar de pé e ver se a série se era boa ou não. 

Olhei o mar no canal, onde a corrente esvaziava quase por completo, foi só um empurrão e rocei o fundo da prancha na pedra, subi a ilha, e lá depois do portinho, esperei a vaga e sai no braço, marquei o parcel da ilha de fora e remei com tudo. Meia faixa dei uma parada e lá vinha a série… Caramba, estava atrasado em relação ao ‘vértice de dobra da onda’, passei a prima e vi que tinha o dobro do tamanho da minha prancha, quatro metros folgado, dei no braço o que pude e virei bem a tempo de pegar a segunda, um pouco maior que a primeira, “cara que loucura”, desci na vertical de ‘bequesaide’ forcei um pouco a perna direita, e a prancha parecia que tinha uma quilha em todo seu comprimento, efeito da borda invertida, ela cravava na água deixando um valo, eu olhava para a parede e, no meu estilo clássico, não destruí a onda, eu a possuía, ou ela a mim, que maravilha, que onda meu Deus, onda para toda a vida. 

Fui sair depois da entrada do porto, cansado, mas querendo mais, vi que havia alguns trabalhadores do porto sentados nas pedras do aterro onde hoje é o estacionamento do canto, na certa me achavam um louco. Sabe quando o mar é teu, sem ninguém para cortar a tua frente, ou uma disputa no braço, pois é, aquele mar era meu, eu queria outra onda. 

Repeti o trajeto. canal, ilha, remada forte meio de pista, espera uma eternidade para uma onda grande, só mais uma só; mais uma… Olhei para a praia e lá estava um montão de gente sentada olhando o maluco, quem sabe torcia pelo afogamento ou para minha sorte com aquele mar. 

Não sei o que aconteceu, marquei bobeira atrasei a saída, e passei a primeira onda no atraso, subi a parede e passei direto, desci pelas costas da onda peguei velocidade na remada, mas era tarde. A segunda onda quebrou em cima de mim, fui pressionado para o fundo, revirando e alucinado, buscando a superfície, meio metro de espuma, dei uma golfada, passei trabalho, mas estava inteiro e vivo. 

A prancha sumiu, e agora olhei, vi que estavam todos de pé, minúsculos homens na distância daquele intervalo onde se toma a decisão; a terceira onda, um monstro, veio forte crispando no vento um arco de água e espuma, sua parede lisa me pegou e só tinha uma coisa a fazer, inclinei o corpo dei duas braçadas apenas, e desci aquela montanha de água batendo o peito nas ondulações da parede, “cara que coisa”, não fechei os olhos, queria gravar e gravei para quantas vidas eu tiver, lembrarei de cada detalhe, meu peito ardia mas, não podia fazer nada, só controlar a descida e crer que seria levado para o raso. 

E assim foi, a espuma ainda com força me deu pista e eu aproveitei, quando tentei ficar de pé ainda era fundo, dois metro por aí, nadei mais um pouco, e outra onda fraca me deu o espaço que desejava, água pela cintura tremendo pela adrenalina, inconsciente do fato segui até a areia buscando encontrar a prancha, um dos homens desceu e recolheu os dois pedaços da medonha. 

Eis minha última onda. Não mais surfei, não por medo ou por trauma, nada disso, apenas pela impossibilidade de ter outra prancha. Coisas da vida. Logo fui para a Marinha, o que ajudou no processo de desistir das ondas, depois veio a ICC, e o trabalho se converteu na proteção à família recém-formada. 

Às vezes quando relato esta façanha uns acreditam outros não, mas o que importa é que eu vivi, eu surfei, sobrevivi quando deveria e ou poderia ter perecido. Hoje de vez em quando vou lá no meio do pessoal, pego um jacaré e saio, a idade me veio, mas a mente é ainda jovem. 

Uso o Canto da Vila agora como cenário para meus livros, minhas histórias, outras ondas, as das letras, surfo com o mesmo surf clássico como daquela onda monstro.’ Por Dário Cabral Neto 

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