Cenas de barbarie na praia do Rosa, em Imbituba
Surfistas são agredidos por pescadores, essa foi cena deste último domingo (09) que já vinha se desenhando nas redes sociais nas últimas semanas em postagens, em que pescadores apareciam em vídeos ameaçando surfistas que invadissem a área delimitada para a pesca na praia do Rosa, ao norte de Imbituba. Surfemais conversou com o surfista agredido, CCI se reúne com Assoc. de Surf Praia do Rosa e ASI emite nota de repúdio
Desde o início da temporada da pesca da tainha este ano, quando mais uma vez, um acordo entre surfistas e pescadores definiu as regras para o uso das praias em Imbituba, em que sistemas de bandeiras delimitariam espaços e locais ‘proibidos’ para o surf, ou mesmo que estariam liberados, para que a tradição da pesca fosse respeitada, a praia do Rosa começou a ser o centro das atenções.
Nas redes sociais, com vídeos postados e re-compartilhados, em que pescadores do norte da cidade apareciam ameaçando surfistas caso desrespeitassem os acordos feitos, demonstrando que a tensão já se fazia presente. Na praia da Vila, em Imbituba, a confusão aconteceu há alguns dias atrás entre os próprios pescadores em uma briga sobre a destinação do cardume pescado, segundo informações. Como em todos os anos, tensões acabam sendo comuns, mas dificilmente, chegavam ‘aos finalmentes’.
Diferentemente desta vez, em que a confusão por muito pouco, não deixou alguém hospitalizado ou com sérios problemas, o relato, incialmente, era de que surfistas haviam invadido a área delimitada para a pesca. Isso tem sido um dos motivos da bronca de pescadores, mas que na praia do Rosa, segundo o Presidente da Associação de Surf do Rosa, Francisco de Assis, o Chicão do Rosa, “O acordo entre pescadores e surfistas, havia sido feito em duas reuniões“.
Fran Penco conta sua versão dos fatos ao Surfemais
A história contada em um vídeo no Instagram, relatado pelo próprio agredido, Francisco Penco, um argentino que vive na praia do Rosa há cerca de 11 anos, de que teria entrado com seu wing foil no lado norte da praia, que está liberado para a prática de esportes e, segundo ele, a corrente e a falta de vento impossibilitaram ele de voltar ao lado norte, sendo obrigado a sair pelo meio da praia.
Segundo ele, a saída aconteceu antes da Barrinha da lagoa do meio do Rosa, onde é o limite para a proibição do surf. Sem poder explicar o que ocorreu, foi sendo insultado pelos pescadores. “Além de que eu seja surfista, turista ou morador, eles não podem vir agredir deste jeito, eu estava velejando e a última coisa que eu queria era brigar, pelear e tentei várias vezes sair pelo lugar certo e não consegui, eles me perguntaram se eu não sabia, e tentei explicar o que aconteceu, eles não quiseram me ouvir“, explicou Francisco.
Família assistindo tudo: “Eu estava com a minha família”
Fran, como é conhecido, estava com a família na praia. “Antes de sair do mar, já estava olhando a praia e vendo os caras!! Estava lá fora, fora da baía, mais de uma hora, e não dava nem para me ver. Eu estava com a minha família, minhas filhas, elas estavam na praia, eles se aproximaram separados quando sai da água, dois de um lado e dois do outro lado, e minhas filhas estavam ali assistindo assustadas, foi terrível, e não fiz nada, e nem pude explicar“.
“Logo na sequência, quando tentava explicar o que ocorreu, pegaram minha prancha e a vela, e tentaram rasga-la. E logo depois, quando meu amigo chegou, também pediu para devolvessem os equipamentos, vieram mais pescadores com paus, punhos, meu amigo insistiu que devolvessem os equipamentos, que não eram meus” finaliza Fran.
A animosidade nesta época do ano sempre houve, já que a praia do Rosa é, além de um ponto turístico internacional, um destino para muitos surfistas, tanto brasileiros quanto estrangeiros. A grande reclamação de muitos surfistas no Rosa é a intransigência dos pescadores em não liberar o surf, mesmo em dias com ondas de mais de 2 metros, reclamações estas, documentada em vídeos que circulam na internet.
Praia: ‘Um bem de uso público’, mas não durante a Temporada da Tainha
A praia é um bem de uso público resguardado na Constituição Federal do Brasil, e segundo as leis vigentes, mas nesta época do ano, durante cerca de 3 meses, a Temporada da Tainha ocupa os espaços praianos para que a tradição cultural da pesca seja mantida. Em décadas passadas, surfistas e pescadores conviviam pacificamente, até o número de surfistas aumentarem, e os pescadores verem seus cardumes sendo ‘assustados’ por eles, como muitos se referem.
Para alguns pescadores, 5, 10 surfistas, possivelmente, não espantariam um cardume. Mas, com o crescimento do esporte, e do número de praticantes dentro do mar, ainda que sem estudos científicos que comprovem isso, com a quantidade de surfistas no outside isso se transformou num problema. Então, desde meados dos anos 80 os problemas entre pescadores e surfistas começaram.
ASI institui, ainda na década de 90. junto com pescadores o sistema de bandeiras na praia da Vila, em Imbituba,
No início dos anos 90, a Associação de Surf de Imbituba instituiu junto com o Sr. Joaquim, responsável pela pesca da tainha na praia da Vila, o sistema de bandeira para sinalizar a proibição ou liberação do surf, quando o mar não tivesse peixe. Quando tem tainha, e os pescadores sabem, elas podem estar atrás dos costões, ou próximos as praias, onde os barcos e as redes ainda não conseguem pega-las. Só quando se aproximam é que o cerco é feito. Hoje o sistema é utilizado em, praticamente, todas as praias da cidade.
Então, para que não se dispersem, o mar pode ficar dias sem que elas encostem. Segundo muitos surfistas, muitas vezes o surf não é liberado mesmo com as ondas estando grandes, impossibilitando a entrada do barco, e esse é um ponto de intransigência entre eles. Em outras situações apontadas pelos surfistas, mesmo não tendo peixe nenhum na baía, a intransigência com o esporte impera e os pescadores não liberam o surf por pura ‘falta de vontade’.
Surfistas entendem a importância da manutenção da tradição da pesca da tainha. E os pescadores?!!
Boa parte dos surfistas entendem a importância, tanto cultural da tradição, quanto econômica da temporada de pesca da tainha. Até porque, praticamente, todos adoram uma tainha frita, assada, ou até mesmo ajudando a puxar as redes de pesca. E o grande problema, para a grande maioria, não é não poder surfar nesta época, até porque algumas praias, ou faixas delas, ficam liberadas para a prática esportiva, ainda que poucas.
Mas, em alguns casos, a intolerância e a rigidez em manter a proibição de forma permanente em algumas praias, é algo que precisa ser revisto, tanto pelas autoridades, quanto pelos próprios pescadores. O percentual de surfistas mal informados sobre este período, ou mesmo as indisciplinas que ocorrem, são pequenos e podem sim, até serem resolvidas com uma conversa. E isto já ocorre em várias praias de Santa Catarina. E para isso, os dois lados têm que ceder.
O surfista local da praia do Rosa, Fabio Quadro, que faz boletins diários sobre as condições para surf na região através do canal @_epicsurf_, fez um relado interessante ao Surfemais sobre a temporada da pesca da tainha na região. “Os surfistas do Rosa não querem e nunca quiseram confusão com os pescadores. Nós respeitamos a tradição“.
“Estes tempos, descobrimos que tinha ‘malha’ de tainha e os pescadores não entraram com os barcos pra cercar por falta de contingente para puxar a rede. Eu garanto que se eles tivessem nos contactado, certamente teríamos ajudado, e garanto que 100% da galera do surf daqui ajudaria!!“, finaliza Fabio.
ASI se manifesta através de uma nota de repúdio e CCI se reúne ‘extraordinariamente‘ com ASPR
Na noite desta última segunda feira (10) , o Conselho Comunitário da Ibiraquera (CCI) se reuniu ‘extraordinariamente‘ com a Associação de Surf da Praia do Rosa, na sede do Conselho. Na reunião foi debatido de forma urgente o que vem acontecendo na praia do Rosa nas últimas semanas. Segundo Maria Aparecida Ferreira, a Cidinha da Ibiraquera.
“Ontem tivemos um encaminhamento muito bom, fizemos um documento para enviar para as autoridades e vamos agir na legalidade pra ajudar a solucionar este problema. A gente lembra que há grupos de pescadores no Rosa e que muitos pescadores foram contrários ao que aconteceu“, comenta Cidinha.
A Associação de Surf Imbitubense (ASI) se manifestou nas redes sociais em relação a temporada da tainha, bem como ao que vem ocorrendo nas praias de Imbituba, através de uma nota de repúdio. Antes do início de todas as temporadas a entidade é uma das responsáveis pelo acordo entre surfistas e pescadores em Imbituba.
Em parte da nota a ASI faz a seguinte referência: ‘Solicitamos às autoridades competentes que tomem as medidas necessárias para garantir a segurança e a ordem durante o período da Pesca da Tainha, promovendo o diálogo e a mediação entre as partes, e coibindo quaisquer atitudes violentas‘. Abaixo segue a postagem com a nota na íntegra.